Na última semana, o Supremo Tribunal Federal, pelo placar nada emocionante de 8 a 3, optou por sepultar aquele que talvez seja o mais importante artigo da legislação brasileira sobre a internet. Passaram por cima da autoridade do Poder Legislativo e, numa profecia autorrealizável, sob o argumento de que a Internet seria uma “terra sem lei”, derrubaram a lei existente e se viram obrigados a legislar. Não que não gostem de fazê-lo, como vimos no caso da extrapolação da lei de racismo. Quem não se lembra da discussão entre os ministros do STF sobre quantas gramas de maconha seriam necessárias para diferenciar uso de tráfico? Mas por mais que gostem da atividade parlamentar, na ausência de um único voto que os dê legitimidade, imagina-se que legislar seja motivo de certo constrangimento.

A partir de agora, uma simples notificação extrajudicial será suficiente para que as plataformas de rede social tenham responsabilidade legal pelas “postagens criminosas” de seus usuários. Como não há lei sobre o que seriam “postagens criminosas”, o STF propôs uma tese. Em outras palavras, criou uma lei. Pode até ser considerado um julgamento trans, que se identifica como lei. Ou, numa metáfora teológica, que o julgamento transfigurou-se em lei. Eis o mistério da Suprema Corte.

Estabeleceram então um limite. Em casos de crimes contra a honra, como difamação, a tese do STF mantém o regramento atual. Essa era a linha vermelha dos nossos queridos ministros. Talvez abram uma brecha no futuro, dependendo de quem for o alvo da difamação. Finalmente, a difamação de um juiz do STF é praticamente um golpe de Estado, um crime que, aparentemente, pode ser cometido por meio de palavras. Se os militares de 1964 soubessem disso, poderiam ter poupado os tanques nas ruas!

A decisão do Supremo estabelece poder de censura para as poderosas Big Techs. “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.” E, se Orwell nos permitir, conter é empoderar. Sim, é dessa forma que os poderosos de toga pretendem limitar a ingerência de grandes monopólios estrangeiros no Brasil, dando-lhes poder de censura, sob o risco de serem punidos judicialmente por não censurar.

Depois dessa, devemos ao menos ser gratos pelo compromisso do STF com a transparência, que nos permitiu acompanhar o espetáculo macabro que foi o debate dos juízes. Destaque para mais uma intervenção histórica da ministra Carmen Lúcia:

“Censura é proibida constitucionalmente, é proibida eticamente, é proibida moralmente, é proibida, eu diria até, espiritualmente. MAS não pode, também, permitir que nós estejamos numa ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos. Soberano é o Brasil, soberano é o Direito brasileiro.”

Mais uma exibição espetacular de lógica orwelliana. O Grande Irmão ficaria orgulhoso. A censura é proibida e imoral, mas o direito de expressão a cada brasileiro faria de cada um de nós um tirano, e somente o Estado pode ser um tirano, ou melhor, soberano. Para impedir essa tirania anárquica, daremos a cada prototirano o poder de censurar (tirania?), através de notificações extrajudiciais com poder de responsabilizar empresas que apenas oferecem um veículo de comunicação. Que tal?

Mal sabe a ministra que a maioria das plataformas já dá certo poder de censura aos seus usuários e que, elas próprias, já censuram, talvez não segundo os interesses do STF. Sabia a ministra que no X, rede crucificada por sua suposta defesa da liberdade de expressão, qualquer um de seus usuários pode bloquear quem comenta em suas postagens e, pior, esconder esses comentários de outros usuários? O bloqueio ainda impede que outros usuários interajam com tal comentário. Ou seja, cada usuário tem “soberania” sobre suas postagens e pode silenciar comentários presentes e futuros!

Sobre este aspecto das plataformas, ninguém se interessa em regular. Sobre que censuram a torto e a direito postagens em defesa da Palestina, contra o sionismo, ninguém se interessa em regular. Ninguém quer regular o poder tirânico de censura das plataformas (transmitido parcialmente a seus usuários no caso explicitado acima). Querem dar mais poder. Essa é a defesa da democracia contra os 213 milhões de tiranos.

Ao melhor estilo viral, típico da era das redes sociais, chamo uma palavra de ordem contra esses absurdos. #SomosTodosTiranos

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Last Update: 29/06/2025