O governo Lula está em uma situação curiosa.

O time ainda não entrou em campo. Está perdendo em várias frentes. Mas – importante – virar o jogo depende apenas dele.

 Nos dois primeiros anos, um Banco Central inerte – presidido por Roberto Campos Neto, um bolsonarista explícito – permitiu o controle das políticas de câmbio e juros pelo mercado. No segundo semestre, não atuou contra os primeiros movimentos de elevação do câmbio, no mercado de derivativos.

Em dezembro, o terrorismo fiscal, a sazonalidade do envio de dólares para o exterior, mais as indagações a respeito da política econômica de Donald Trump, permitiu ao mercado deixar o Banco Central de joelhos.

Há os seguintes movimentos em curso:

  1. A melhor parte da mídia corporativa – analistas que conseguiram algum grau de independência – já identificou os abusos do mercado, na mera comparação entre os indicadores econômicos do ano e o catastrofismo dos editoriais dos jornalões.
  2. Fica cada vez mais clara a existência de um cartel no câmbio com objetivos monetários e políticos. É só conferir a manchete da “Gazeta do Povo”  de Curitiba, notória representante da direita midiática.
  1. Há um silêncio inacreditável dos grupos de influência da produção, diretamente afetados por essa loucura especulativa: indústria automobilística, máquinas e equipamentos, energia, telecomunicações.

Mas o excesso de abusos do tal mercado começa a gerar anticorpos, que de ampliarão na medida em que o aumento da Selic comece a bater nas vendas das empresas.

Há duas estratégias paralelas a serem montadas pelo governo:

Estratégia de governabilidade

Lula já está convencido da necessidade de um Plano de Metas para seu governo. Há um conjunto de oportunidades novas para a indústria, com a transição energética. E há um manancial de sugestões de políticas públicas, desde os grupos de trabalho do Instituto Perseu Abramo, do PT, a organizações públicas como o CGCEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), Finep (Financiadora de Estudos e Pesquisas), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), todos eles think tanks de excelência e pouquíssimos aproveitados.

Há um fio condutor – as conclusões da 5a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e os estudos do NIB (Nova Indústria Brasil).

Tem-se o principal. O que falta? Uma estrutura de governo, um Conselhão, mas com missão gerencial de definir um plano de ação com prazos e metas. E, depois, um sistema de informação claro, que disponibilize prazos e metas para serem acompanhados pela opinião pública. Periodicamente haveria a entrega, a cobrança e a definição de novas metas.

O Plano de Metas de JK foi montado em um período em que o país não dispunha sequer de técnicos em planejamento, a não ser os craques da Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), trazendo a contribuição do planejamento energético para as políticas públicas. Funcionários do BNDES, como Ignácio Rangel, precisaram ser remanejados para aprender as novas ferramentas de gestão e colocar o plano de pé.

Agora, tem-se abundância de gestores, inclusive no setor público. Falta apenas o apito do técnico Lula para iniciar o jogo.

Estratégia de mercado

A segunda linha de ação será necessariamente silenciosa, mas consistirá em definir paralelamente uma estratégia de enfrentamento do mercado.

Esse enfrentamento será inevitável em um ponto qualquer do futuro simplesmente porque criou-se uma quadratura do círculo para a questão fiscal.

O mercado jogou com o câmbio. O Banco Central teve que elevar em um ponto a Selic e acenar com mais dois aumentos de um ponto para impedir o descontrole. O indicador de solvência da dívida pública é a relação dívida/PIB. E o maior fator de alimentação da dívida é a Selic. Com 15 pontos de Selic, o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB passa dos 3 pontos percentuais.

Nesse ínterim, indústria e comércio sentirão na carne a reversão das expectativas de crescimento e ficará cada vez mais claro o papel disfuncional das atuais políticas monetária e fiscal.

Há uma contagem regressiva para a hora do enfrentamento. Não poderá passar muito da metade do ano, sob risco de inviabilizar completamente o governo e abrir espaço para a volta do negocismo miliciano do bolsonarismo. E não poderá consistir em declarações contra o mercado, apartadas de ações objetivas.

2025 será um ano decisivo. E, espera-se, com Lula em campo comandando as ações.

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Last Update: 03/01/2025