Em 13 de março de 1964, o então presidente João Goulart realizou um comício histórico na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde anunciou as chamadas “Reformas de Base”, uma série de medidas que visavam enfrentar a estrutura arcaica do Brasil e modernizar o País em favor da maioria trabalhadora. Segundo os organizadores, o evento reuniu 300 mil pessoas e contou com a presença de importantes organizações de esquerda, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Os governadores Miguel Arraes, de Pernambuco, e Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, também estavam entre os apoiadores do evento. O discurso de Jango, inflamado e direto, colocou em pânico a burguesia, os militares reacionários e o imperialismo, que não tardariam a reagir com a violência que marcaria o Golpe de 31 de março daquele mesmo ano.
A conjuntura política do início de 1964 era marcada por uma grande polarização entre o imperialismo e a classe trabalhadora brasileira. O imperialismo tentava por um fim à expansão da industrialização nacional, iniciada nas revoluções burguesas da década de 1930, mas que já demonstrava sinais de esgotamento na capacidade de enfrentar o controle estrangeiro. A classe trabalhadora, por sua vez, buscava aprofundar as conquistas obtidas com a industrialização, avançando em direitos sociais e na soberania econômica do País. De um lado, os trabalhadores e setores progressistas lutavam por reformas como a reforma agrária, que ameaçava diretamente os latifundiários, e a reforma urbana, que colocava em xeque os interesses dos especuladores imobiliários. Do outro, as forças conservadoras, financiadas pelo imperialismo norte-americano e amparadas pelos altos escalões das Forças Armadas, conspiravam para derrubar Goulart, explorando a histeria anticomunista e a ideia de que o Brasil estava a caminho de uma “república sindicalista”. A imprensa golpista, a Igreja conservadora e a alta oficialidade militar estavam alinhadas nesse projeto de sabotagem.
A crise com os marinheiros foi um dos estopins para a intensificação da ofensiva golpista. Nos dias 25 e 26 de março de 1964, cerca de dois mil marinheiros e fuzileiros navais se rebelaram contra a hierarquia da Marinha, exigindo melhores condições de trabalho e o direito de se organizar politicamente. O motim, que ocorreu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, foi duramente reprimido pela alta cúpula militar. Jango, no entanto, optou por anistiar os revoltosos em vez de reprimir a mobilização, o que serviu de pretexto para aprofundar o discurso golpista de que a ordem estava ruindo sob seu governo.
As reformas defendidas por Goulart eram uma tentativa de enfrentar os entraves estruturais do País. Ele assinou no comício a desapropriação de terras situadas às margens de rodovias federais para fins de reforma agrária e defendeu a nacionalização das refinarias de petróleo privadas. Essas medidas enfrentavam interesses poderosos, mas o governo carecia de uma base real de apoio para implementá-las, uma vez que não controlava as instituições necessárias para garantir sua execução.
A falta de um partido revolucionário capaz de organizar as massas para enfrentar a ofensiva reacionária deixou Jango isolado. O resultado foi o golpe militar de 31 de março de 1964, articulado pelos EUA e executado por generais a serviço dos interesses estrangeiros. O golpe deu início a 21 anos de Ditadura Militar, marcados por censura, tortura e entrega do Brasil ao capital estrangeiro.
O comício da Central do Brasil foi um marco na história política brasileira, mas também um símbolo de como a luta sem a força necessária para se sustentar pode resultar em derrota. A história do Brasil ensinou da maneira mais cruel que a conciliação com a burguesia e a dependência de instituições dominadas pelos inimigos do povo são caminhos certos para a destruição das possibilidades de avanço político.