
Por Rosa Amorim*
Da Página do MST
No Brasil, por muito tempo, a política foi feita e narrada por homens. Depois de muita luta das mulheres brasileiras pelo direito ao voto, foi uma mulher, negra, professora e defensora do direito à educação que marcou a nossa história se tornando a primeira mulher eleita para um cargo legislativo, lá em 1934, no estado de Santa Catarina: Antonieta de Barros.
Nascida em 1901 na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, filha de uma ex-escravizada, Antonieta teve sua trajetória de vida marcada não somente por ser primeira mulher negra eleita no Brasil, o que por si só já é um grande feito, mas porque sempre usou sua voz a serviço da luta em defesa da educação, pelos direitos das mulheres e pela justiça social. Resgatar a história de Antonieta é apontar que nós, mulheres negras, somos parte fundamental na construção deste país.
Sua entrada na política aconteceu em 1934, em um momento político onde as mulheres haviam acabado de conquistar o direito ao voto – em 1932 – mas ainda eram vistas como figuras marginais no debate político. Antonieta não apenas se elegeu, mas usou seu mandato para tratar de temas como o acesso à educação, combate ao racismo e emancipação feminina.
Foi dela o primeiro projeto de lei que cria o Dia do Professor, data que seria nacionalizada anos depois. Sua atuação parlamentar foi marcada por discursos afiados, como boa jornalista que era, e pela defesa da escola pública como ferramenta de transformação social.
Não foi só na política que Antonieta foi pioneira. Ela foi a primeira da sua família a terminar os estudos. Depois de formada, fundou o curso “Antonieta de Barros”, voltado para alfabetização de adultos, um projeto revolucionário em uma época em que a maioria esmagadora da população era analfabeta, consequência do projeto das elites, já que o analfabetismo já era usado como instrumento de exclusão política.
Além de lutar nas trincheiras da educação, ela fazia a disputa das ideias através do jornalismo. No Jornal “A Semana”, fundado por ela, publicava semanalmente artigos de opinião sobre a discriminação de gênero e raça que mulheres como ela sofriam. Depois, dirigiu a publicação “Vida Ilhoa”, que contava fatos da ilha onde morava. Imaginem a ousadia e a coragem de uma mulher negra que há quase 100 anos atrás ousou estudar, educar, comunicar e fazer luta política em defesa dos mais pobres.
Apesar de todo esse pioneirismo na luta das mulheres negras na política, por muito tempo a figura de Antonieta de Barros foi apagada nos livros de história. Esse apagamento é intencional. Não interessa a um sistema majoritariamente composto por homens brancos das elites que a luta das mulheres negras faça narrativa nacional, muito menos a daquelas que ousaram ocupar espaços de poder.
Após 124 anos do nascimento de Antonieta, ainda temos muito a avançar:
Em um país onde apenas 17% do total de deputados federais são mulheres negras, relembrar a história de Antonieta é afirmar que ocupar espaços políticos não é uma concessão, mas uma conquista duramente disputada.
Mesmo depois de eleitas, sofremos uma série de violências – política, de gênero, de raça – que escancaram que aquele lugar não foi pensado para nós, mas que ainda assim vamos ocupá-lo para estar a serviço do povo e das suas demandas, que nunca foram prioridade para as elites à frente da política institucional. Pouco a pouco, vamos honrando o legado de Antonieta e fazendo a diferença nas casas legislativas, trabalhando para diminuir as desigualdades e oferecer mais oportunidades para que outras mais possam ocupar também esse espaço.
Relembrar a luta e o legado de Antonieta de Barros é mais que preservar nossa memória: é um ato político. É lembrar que a nossa democracia, duramente conquistada, foi construída também por mulheres que desafiaram a ordem, e que essa luta segue até que tenhamos um país livre do machismo e do racismo. Sigamos construindo esse país do futuro, que será pensado e feito por nós, mulheres negras na política!
*Militante do MST e deputada estadual em Pernambuco pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
**Editado por Solange Engelmann